Cartas I

 do que jamais será dito...

Eu sempre quis escrever alguma coisa pra você. No entanto, nunca quis que você lesse o que eu escrevo. Tenho até certo receio de que você leia minhas palavras e entenda o que eu quero dizer, um dia. Inclusive eu já disse várias vezes, você que não soube decifrar o que eu estava falando. Talvez eu leve vários dias pra escrever essa carta, confessando dolorosamente tudo que penso sobre você, porque é muito difícil chegar e dizer a verdade, mesmo que só pra um documento do Word esquecido em meio a uma pasta cheia de fotos, ou um blog de visitantes fixos e pouco freqüentes. Verdade tal acho que jamais chegou aos seus ouvidos. Isso mesmo! Aposto que ninguém jamais lhe disse a verdade, porque em primeiro lugar você enche olhos e ouvidos das pessoas, que te admiram com devoção. Sei que isso é em muito teatro. Talvez você se divirta fazendo da sua vida um teatro, ou talvez seja mesmo porque é necessário. Sim, admiro sua esperteza: você encena com fervor, se escondendo atrás de várias máscaras e procurando exibir sempre o que tens de melhor. Pode em muito ser para atrair aos outros, mas também acho que você se regojiza nesse sentimento de superioridade, porque você se sente bastante superior a todos. Olha pra todos de cima, ainda que não tenhas dois metros de altura. É que você se acha muito diferente, por ter algumas particularidades. Sobre isso quero te dizer uma grande verdade: também me acho diferente. Mas não somos especiais por isso, sabe por quê? Porque no fundo todos se sentem diferentes. E no fundo são. Saiba ainda que muitas das coisas que você faz, por mais raras que sejam, não são só suas, quero dizer, muita gente é como você, mesmo que você não conheça essas pessoas. Mente. Mente e jamais confessa nada. Ama-se tanto, que já não sobra nada aos outros. A maior vingança do universo é que um dia todos sejam com você como você é com todos. E vingança maior seria se todos agissem secretamente com você como você age. E você acha que nos está fazendo de bobos? Olhe, não somos cegos, não somos ingênuos! Talvez quem esteja se enganando seja você, sentindo-se no mais alto pedestal da civilização.
Você também parece se encontrar sempre com olhos fixos no espelho. E estão sempre tão fixos que são incapazes de perceber as outras pessoas que estão a sua volta. Você tem olhos voltados pra dentro, e seus olhos estão presos e apegados com uma única coisa, na qual sua vida gira em torno. Mas se eu disser qual é essa coisa, você logo vai se identificar, porque tal coisa lhe particulariza bastante. Pra tanto, vou dizer apenas que essa coisa é tudo que sai do seu corpo, porque você exala ela pelos olhos, no cheiro, pelos dedos, pelo cabelo... menos... Há relação com o espelho, o teatro, a coisa e a verdade. E você cresce e cresce interiormente, avidamente, como uma bola de neve montanha abaixo se alimentando. Mas por que seu crescimento é assim, tão ostentativo? Por que seu crescimento me soa tão pedante? Talvez seja porque ele tenha muito a acrescentar no teatro, e na coisa, e no que você vê no espelho.  Uma vez me disseram que você escondia um segredo, e esse segredo seria tão absurdo que quando revelado, todos ficariam boquiabertos. É, pode ser. O bom da história é que me divirto muito tentando adivinhá-lo, enquanto não se revela. Tanto que talvez, quando você resolver trazer sua grande verdade à tona, eu possa silenciar diante de todos e pensar: eu já sabia.

[e não me culpe porque digo isso aos outros, pois agora, também disse a você, e sabendo você da minha opinião, já não é pecado que outros saibam. Cabe a você interpretar...]