Porque eu odeio Natal

Escutei, em determinada situação, um natalense falando “catinga de merda”, e me recordei da primeira vez em que ouvi a expressão “vá tirar a catinga de mijo” e não entendi o que significava. Achei que o vocabulário nordestino tinha palavras realmente feias e logo tive a idéia de fazer uma listagem sobre tudo que odeio na cidade, a começar pelas palavras. Com expressões pouco conhecidas em outras regiões, nosso vocabulário é praticamente único, pena que tão deplorativo e feio. A verdade é que não existe valorização pela sociedade pra quem fala bem, fazendo com que as pessoas deixem isso de lado pra se dedicar ao que realmente importa pra sociedade.
A UFRN orgulha-se de oferecer bolsas de curso no exterior, mas existe pouca oportunidade de aprendizagem de muitos idiomas na cidade. Procurando outro dia na Tele Lista online, percebi que todas as escolas de línguas oferecem inglês e espanhol, e muito raramente francês. A situação não poderia ser outra, graças ao grande desinteresse das pessoas, especialmente dos jovens da cidade. Principalmente em termos culturais, estes são uma grande decepção para mim.
 A cultura nordestina e potiguar me é desconhecida, e embora haja uma certa busca de valorização da cultura nordestina pelos meus pais e professores, tudo que enxergo da cultura  do nordeste é festa junina, lampião, literatura de cordel, lampião, artesanato, lampião... falando em artesanato, por morar num bairro que tem praia (incrível como tudo no turismo daqui envolve PRAIA!), a cada esquina tem um centro pra vender artesanato! Todos possuem mais ou menos os mesmos produtos, são pouco visitados (fora os ônibus da excursão dos turistas), e tudo que se vende lá é extremamente caro, só pra gringo comprar mesmo. Fora isso, a cultura me repele por tudo nela me lembrar fogo: as comidas quentes, as cores em tons de bege e laranja dos personagens e dos restaurantes típicos me lembram areia, sertão. É como se isso resumisse o que o nordeste é: areia e calor.
Falando em calor, lembro ter a impressão de só existir aqui uma estação do ano, o verão. Na cidade, o calor é constante, até mesmo no inverno! Com a constante construção de prédios, desmatamento e aquisição em massa de veículos, temos também em Natal o fenômeno das ilhas de calor, que consiste em haver variações consideráveis de temperatura na mesma cidade, por exemplo, no centro da cidade, em um determinado horário, pode estar alguns graus mais quente do que no Parque das Dunas. Enquanto no sertão as chuvas são recebidas com muita alegria, nós, da capital, não ficamos muito contentes com ela: a infra-estrutura da cidade é terrível, quando chove os esgotos transbordam, calçadas ficam alagadas, os sinais de trânsito deixam de funcionar e as pessoas precisam ficar trepadas nos bancos das paradas de ônibus.
O que acontece porque os motoristas de Natal são extremamente mal-educados e egoístas, dando verdadeiros banhos nos pedestres (às vezes acho que fazem isso por maldade mesmo). E não apenas os motoristas, a população em si da cidade é extremamente mal-educada!  Ações simples, como jogar o lixo dentro da lixeira são desrespeitados. Desrespeito é pano pra manga em Natal! Principalmente entre as pessoas. Muitas vezes, as pessoas se desrespeitam por se vestirem de formas diferentes.  Pessoas que pensam diferente também são alvo de certo preconceito. Aqui, é necessário nadar a favor da corrente (não que em outros lugares não seja dessa forma). O que marca nossa cidade como provinciana é que a esmagadora maioria veste mais ou menos a mesma roupa, frequenta mais ou menos o mesmo lugar, fala mais ou menos sobre a mesma coisa... ah! E qualquer coisa que se faça é sabida pela cidade inteira, característica de cidade pequena (e interiorana, embora não seja nosso caso), tudo mundo se “conhece” de certa forma.
A forma de ser, vestir e falar da moda é saída de alguma novela da globo, e muda tão logo ela acaba. Os jovens assistem os programas da Globo e o “Pânico na TV”, e basicamente tudo que fazem é influência dessa programação. Também existe mais uma coisa que eu detesto na cultura: o forró. A música é repetitiva, fala sempre sobre os mesmos assuntos (bebida, prostituta, sexo e traição) e é imposta para todos os moradores da cidade. Acredito que música é uma forma de expressão importantíssima pra difundir ideias, além de nos proporcionar um tipo de paz de espírito. Quando vejo pessoas escutando esse tipo de música em carros de som no meio das ruas e na porta de bares me pergunto qual é o tipo de idéia que essas pessoas tem, valorizando uma coisa tão medíocre e desrespeitando o direito que outras pessoas tem de não ouvirem aquilo. Mas existe uma grande difusão nesse tipo de cultura e também um grande investimento nisso, assim como no Brasil os investimentos são para o futebol.
Na questão social, temos a maquiagem das diferenças e dos problemas sociais, o que faz com que nossos moradores sejam pouco críticos em relação a isso, por acharem que está tudo relativamente bem. Isso muda bastante de figura quando vemos o número crescente de assaltos, até mesmo em bairros mais nobres (já vi assalto até ao vigia da rua!). Se fosse falar também da grande apreensão de drogas, crescente número de trabalhadores informais, estradas esburacadas, projetos de hotéis na parte costeira agressivos ao meio ambiente e no descaso da prefeitura com relação a tantos problemas, faria um livro. Creio que com os argumentos citados acima possa mostrar que tenho justificativa o suficiente pra correr daqui, assim que for possível.

PS: Esse texto foi feito pra minha mãe, que reclama da minha falta de nacionalismo e sempre diz que eu devo amar a minha terra, sem me dar nenhum argumento pra isso.